“Mães de Haia”: a usurpação da Convenção de Haia de 1980 como meio de separação entre mães e filhos no contexto de violência doméstica

Autores/as

  • Deniz da Silva Pastor Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
  • Isabel Souza de Carvalho Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
  • Victoria Ribeiro Aguiar da Rocha Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

DOI:

https://doi.org/10.46901/revistadadpu.i24.p139-163

Palabras clave:

Mulheres vítimas de violência doméstica no exterior, Subtração internacional, Sequestro internacional de criança, Haia 28, Artigo 13, §1º, “b” da Convenção de Haia

Resumen

O presente artigo pretende demonstrar como a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças pode ser utilizada pelo genitor agressor como instrumento de extensão de abusos contra mulheres no exterior. Nesse sentido, por meio de uma abordagem qualitativa, fundamentada em dados empíricos sobre a aplicação da Convenção de Haia no contexto de violência doméstica transnacional, bem como análise de estudos e pesquisa bibliográfica e doutrinária, tem-se como ponto de partida uma breve análise histórica sobre a Convenção de Haia. Em seguida, apresentam-se os principais desdobramentos a partir da imputação de sequestro internacional à mãe brasileira que sofreu violência doméstica no exterior. Por fim, o trabalho explora o que há de mais pungente nos debates que orbitam o tema ante a tendência de uma interpretação majoritariamente restritiva pelos tribunais a respeito da exceção do art.13, §1, “b” da Convenção. Dessa forma, conclui-se que o contexto e o agente (genitor subtrator) do chamado “sequestro internacional” divergem do propósito originalmente pretendido pela Convenção. Além disso, o princípio do melhor interesse da criança não está sendo respeitado, haja vista que não pode ser traduzido simplesmente pelo retorno da criança ao genitor abandonado que cometeu abusos contra a parceira e, potencialmente, contra a criança – que pode ser vítima direta ou indireta.

Biografía del autor/a

Deniz da Silva Pastor , Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Advogado, com atuação voluntária na Defensoria Pública da União (DPU-RJ). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-Graduando em Ciências Criminais e Segurança Pública pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – CEPED-UERJ e Pós-Graduando em Jurisprudência Penal pelo Círculo de Estudos pela Internet – CEI.                                                                                   

Isabel Souza de Carvalho, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Estagiária de Pós-Graduação na Defensoria Pública da União (DPU-RJ); Advogada e Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais – Summa Cum Laude – pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ). Pós-Graduanda em Ciências Criminais e Segurança Pública pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPED-UERJ) e Pós-Graduanda em Política & Sociedade pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

Victoria Ribeiro Aguiar da Rocha, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Advogada e integrante da Comissão Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica – OAB/ Barra da Tijuca - RJ. Pós-Graduanda em Ciências Criminais e Segurança Pública pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – CEPED-UERJ.

Citas

ANDRADE, N. Mães são acusadas de sequestro ao fugirem de violência doméstica no exterior. Pública, 8 nov. 2023. Disponível em: https://apublica.org/2023/11/maes-sao-acusadas-de-sequestro-ao-fugirem-de violencia-domestica-no-exterior/. Acesso em: 13 jul. 2024.

ANDRADE, R. M. T. “Onde é o meu lar?” A aplicação da convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças e o princípio do melhor interesse da criança. Revista Thesis Juris, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 81-100, 2017.

BRASIL. Decreto n.º 3.413, de 14 de abril de 2000. Promulga a Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980. Brasília: Presidência da República, 2000. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3413.htm. Acesso em: 3 jul. 2024.

BRASIL. Decreto n.º 3.951, de 4 de outubro de 2001. Designa a Autoridade Central para dar cumprimento às obrigações impostas pela Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, cria o Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Seqüestro Internacional de Crianças e institui o Programa Nacional para Cooperação no Regresso de Crianças e Adolescentes Brasileiros Seqüestrados Internacionalmente. Brasília: Presidência da República, 2001. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3951.htm. Acesso em: 4 mai. 2024.

BRASIL. Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 4 mai. 2024.

BRASIL. Lei n.º 14.713, de 30 de outubro de 2023. Altera as Leis n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para estabelecer o risco de violência doméstica ou familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, bem como para impor ao juiz o dever de indagar previamente o Ministério Público e as partes sobre situações de violência doméstica ou familiar que envolvam o casal ou os filhos. Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14713.htm. Acesso em: 18 mai. 2024.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Subtração Internacional de Crianças. Brasília, 17 jun. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/cartilhas/cartilha-subtracao-internacional-de-criancas. Acesso em: 13 jul. 2024.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 565, de 2022. Qualifica a exposição de crianças e adolescentes sob guarda de pais ou responsáveis legais brasileiros a situações de violência doméstica em país estrangeiro como situação capaz de submetê-los a grave risco de ordem física ou psíquica, nos termos do Artigo 13 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Brasília, 2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/155624. Acesso em: 29 jun. 2024.

BRASIL. Senado Federal. Parecer (SF) n.º 37, de 2024. Brasília, 2024. Disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9700111&ts=1720646003700&rendition_p rincipal=S. Acesso em: 29 jun. 2024.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n.º 1.842.083. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília, 18 out. 2022.

ENTENDA: STF julga regras de convenção sobre sequestro internacional de crianças. Supremo Tribunal Federal, 23 mai. 2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=539637&ori=1#:~:text=O%20Plen%C3%A1rio%20do%20Supremo%20Tribunal,do%20Sequestro%20Internacional%20de%20Crian%C3%A7as. Acesso em: 11 jul. 2024.

FRIEDRICH, T. S; CRUZ, T. V. Mães e Sequestradoras: a compreensão da violência doméstica e familiar na aplicação da Convenção sobre Aspetos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. In: MENDONÇA, Barbara (org.). Gênero e Resistência. 1.ed., Vol. 2. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.

HCCH. Hague Conference on Private International Law – Conférence de La Haye de droit international privé. Forum on Domestic Violence and the Operation of Article 13(1)(b) of the 1980 Child Abduc tion Convention. Sandton, 18 a 21 jun. 2024. Disponível em: <https://www.hcch.net/pt/publications-and-studies/details4/?pid=9035&dtid=50>. Acesso em: 12 jul. 2024.

HCCH. Hague Conference on Private International Law – Conférence de La Haye de droit international privé. Guide to Good Practice - Child Abduction Convention: Part VI - Article 13(1)(b). 2020. Disponível em: https://www.hcch.net/en/publications-and-studies/details4/?pid=7059&dtid=3. Acesso em: 11 jul. 2024.

HCCH. Hague Conference on Private International Law – Conférence de La Haye de droit international privé. Assinaturas e Ratificações. 28: Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças. c.2024. Disponível em: https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=24. Acesso em: 12 jul. 2024.

HENAGHAN, M.; POLAND, C.; KONG, C. Abducted Child’s Best Interests versus the Theoretical Child’s Best Interests: Australia, New Zealand and the Pacific. Laws, v. 12, n. 4, p. 63-63, 2023. Disponível em: https://www.mdpi.com/2075-471X/12/4/63. Acesso em: 11 jul. 2024.

LEI Maria da Penha completa 15 anos promovendo o enfrentamento da violência baseada no gênero. As Nações Unidas no Brasil, 10 ago. 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/139554-lei-maria-da-penha-completa-15-anos-promovendo-o-enfrentamento-da-viol%C3%AAncia-baseada-no. Acesso em: 12 jul. 2024.

LEITE, I. et al. 98% dos acusados de sequestro internacional de crianças são mães e maioria fugiu após violência do pai, diz ONG. G1, 13 jul. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2023/07/13/98percent-dos-acusados-de-sequestro-internacional-de-criancas-sao-maes-e-maioria-fugiu-apos-violencia-do-pai-diz-ong.ghtml. Acesso em: 22 jun. 2024.

MÃES denunciam falta de apoio para reaver guarda de filhos levados ao exterior. Câmara dos Deputados, Brasília, 4 out. 2023. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/noticias/maes-denunciam-falta-de-apoio-para-reaver-guarda-de-filhos-levados-ao-exterior. Acesso em: 8 mar. 2024.

MATIDA, J. Algumas reflexões probatórias para os crimes de gênero. Consultório Jurídico (CONJUR), 23 jul. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-23/limite-penal-algumas-reflexoes-probatorias-crimes-genero/. Acesso em: 28 mai. 2024.

MATOS, E.; MAZZUOLI, V. D. O. Sequestro internacional de criança fundado em violência doméstica perpetrada no país de residência: a importância da perícia psicológica como garantia do melhor interesse da criança. Revista da Defensoria Pública da União, Brasília, n. 8, 2015.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças. Haia, 25 out. 1980. Disponível em: https://site.mppr.mp.br/crianca/Pagina/Convencao-de-Haia-Sequestro-Internacional-de-Criancas-1980. Acesso em: 10 jul. 2024.

REUNIÃO da Comissão Especial da Convenção da Haia de 1980 é concluída com propostas de juízes de enlace do Brasil. TRF 3ª Região, 23 out. 2023. Disponível em: https://web.trf3.jus.br/noticias/Noticiar/ExibirNoticia/426881-reuniao-da-comissao-especial-da-convencao-da-haia. Acesso em: 23 jun. 2024.

REVIBRA EUROPA; MÃES DE HAIA. Mães brasileiras: você sabe o que é Haia 28? S.l., mai. 2020. Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/cartilha-mes-brasileiras-e-haia-28. Acesso em: 10 jul. 2024.

REVIBRA EUROPA. Assine a Petição. Proteção de famílias vulneráveis: precisamos corrigir as falhas sistêmicas da Convenção de Haia de 1980 e 1996. S.l., 18 jun. 2023. Disponível em: https://www.revibra.eu/campanhas/juntese-campanha-mundial-pela-reviso-da-conveno-de-haia-28. Acesso em: 22 jun. 2024.

REVIBRA EUROPA. Considerações sobre violência doméstica em casos de subtração internacional (Haia 28). Dados 2022. S.l., 8 ago. 2024. Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/consideraes-sobre-violncia-domstica-em-casos-de-subtrao-internacional-haia-28. Acesso em: 13 jul. 2024.

REVIBRA EUROPA. Proposta de revisão: Cartilha Prevenção de Violências contra Mulheres Brasileiras no Exterior. S.l., jan. 2024. Disponível em: https://www.revibra.eu/publicacoes/proposta-de-reviso-cartilha-preveno-de-violncias-contra-mulheres-brasileiras-no-exterior-janeiro-2024. Acesso em: 5 mai. 2024.

SANI, A. I. Vitimação indirecta de crianças em contexto familiar. Análise Social, Lisboa, v. XLI, n. 180, p. 849-864, 2006.

VISÍVEL e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 3. ed. Fórum de Segurança Pública, Datafolha, Uber, 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel-3ed-2021-v3.pdf . Acesso em: 20 jun. 2024.

WEINER, M. H. International Child Abduction and the Escape from Domestic Violence, 69, Fordham Law Review, v. 69, n. 2, 2000.

##submission.downloads##

Publicado

19-12-2025

Cómo citar

Pastor , D. da S. ., Carvalho, I. S. de ., & Rocha, V. R. A. da. (2025). “Mães de Haia”: a usurpação da Convenção de Haia de 1980 como meio de separação entre mães e filhos no contexto de violência doméstica. Revista Da Defensoria Pública Da União, 24(24), 139-163. https://doi.org/10.46901/revistadadpu.i24.p139-163