A Lei 14.874/24, a judicialização da saúde e os Temas de Repercussão Geral n.º 6, 500 e 1234 no fornecimento de fármacos não incorporados no Brasil: um olhar da Defensoria Pública
DOI:
https://doi.org/10.46901/revistadadpu.i24.p267-297Palavras-chave:
Pesquisa em saúde, Medicamentos não incorporados, Judicialização em saúde, Temas de Repercussão Geral do STF, Defensoria PúblicaResumo
A Lei 14.874/2024 foi a primeira lei em sentido estrito a tratar especificamente da ética em pesquisa com seres humanos no país, tema no qual se destaca a pesquisa farmacológica. Ela surgiu numa época de forte rediscussão da judicialização do direito à saúde pelo Supremo Tribunal Federal, com o julgamento dos Temas de Repercussão Geral n.º 6 e 1234, motivando as Súmulas Vinculantes n.º 60 e 61, que têm tendido a modificar a postura do Judiciário em relação à concessão de fármacos não padronizados. O Tema n.º 500 também cuida da matéria, no tocante a medicamentos experimentais, que guardam íntima relação com a pesquisa. Este texto procura analisar as modificações trazidas pelas novas normativas legislativa e judiciárias e suas consequências para a população hipossuficiente, atendida pela Defensoria Pública da União. Para isso, utilizou-se metodologia de pesquisa exploratória e revisão teórica bibliográfica, a partir de análise legislativa, jurisprudencial e de obras doutrinárias pertinentes ao tema. Como resultado, constatou-se a preocupação acerca da aparente redução do controle ético-social das pesquisas, ao passo que se torna mais rígida a viabilidade da judicialização em relação a fármacos já liberados para o consumo e, portanto, cuja segurança e eficácia já deveriam restar comprovadas, indicando novas dificuldades no equilíbrio entre aspectos éticos e econômicos na matéria.
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